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Conflitos nas organizações: pontos fundamentais para sua compreensão e abordagem

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Alba Hernández, Mestre em Psicologia Social, com mais de 20 anos de experiência em pesquisa e consultoria organizacional, e colaboradora do Mestrado em Direção Estratégica. Especialidade em Gerência, da UNINI, nos explica alguns pontos fundamentais para compreender a dinâmica dos conflitos nas organizações, e estratégias para sua abordagem.

  1. Por que poderia surgir um conflito na organização?

Devemos nos afastar das visões que renegam ou sentenciam o conflito como elemento nocivo ou totalmente negativo, e tomar a compreensão do conflito como elemento que faz parte da realidade social e que pode ter um papel dinamizador, desenvolvedor das pessoas e processos nos diferentes espaços sociais. Esta realidade é particularmente correta na organização trabalhista, onde o conflito pode facilitar ou incentivar a melhora contínua de seus processos e a efetividade do sistema em sua totalidade.

A complexidade da organização como sistema social implica que o conflito seja consubstancial a seu funcionamento. O conflito está associado sempre à existência de diferenças entre as pessoas ou grupos, que são concebidas por eles como irreconciliáveis. Tais diferenças não conseguem ser percebidas e integradas como complementares devido a determinantes do contexto, características das partes envolvidas ou do sistema de relação entre elas. Os conflitos podem associar-se a incompatibilidades ou oposições que podem ser reais ou construídas pela percepção das partes envolvidas.

Na organização, então, o conflito pode surgir por elementos de índole intrapessoal (contradições próprias da pessoa), interpessoal (oposições, diferenças e desencontros entre duas ou mais pessoas de um mesmo grupo), intergrupal (entre grupos diferenciados da organização) ou a partir de processos definidos da totalidade do sistema. Em todos os casos, o essencial não é o conflito em si mesmo, mas como se lidar ou enfrentá-lo, o que está condicionado por muitos elementos onde a comunicação entre os membros desempenha um papel essencial.

Por outro lado, de acordo com os assuntos ou questões que desencadeiam um conflito, podem-se encontrar conflitos definidos por:

  • Divergência de interesses ou objetivos incompatíveis.
  • Competência pela distribuição de recursos materiais e financeiros.
  • Diferença quanto a julgamentos ou posturas decisivas a partir da formação ou informação igualmente diferenciada das partes implicadas (sejam estas pessoas ou grupos).
  • Diferenças sociopsicológicas ou de identidade em relação à maneira em que se pensa ou atua-se a respeito de assuntos importantes para as partes implicadas (noções de justiça, religião, valores ou critérios morais).
  • A avaliação negativa em relação à conduta do outro (indivíduo ou grupo) e associada sempre a uma indeterminação ou falta de clareza nas normas e papéis definidos pela organização.
  1. Quais são os elementos que intervêm em um conflito na organização?

A cultura organizacional, o ambiente psicológico predominante na organização e a maneira na qual se estabelece a comunicação no interior de uma organização têm influência determinante na geração de conflitos e na forma com a qual se enfrenta o problema ou se dá solução.

Quando as metas não são suficientemente compartilhadas ou existe pouca clareza na atribuição de papéis ou na distribuição de recursos, criam-se condições que potencializam a geração de conflitos. A heterogeneidade possível de seus membros (personalidades, objetivos e formas diferentes de ver a vida e a organização) também tem lugar no surgimento de conflitos interpessoais que podem ocorrer entre pessoas pertencentes ao mesmo ou a diferentes grupos.

O pertencimento a grupos ou partes específicas condiciona, muitas vezes, formas de interação que facilitam o conflito quando existe interdependência funcional entre partes organizacionais. A construção de subculturas ou formas diferenciadas de compreender o todo organizacional é inerente ao desenvolvimento da organização no tempo. Todas as organizações enfrentam o dilema que implica diferenciar os processos (construir departamentos, áreas, grupos) e obter uma interconexão efetiva entre eles para as metas organizacionais. Cada parte da organização concebe de maneira diferente a realidade organizacional e as prioridades, com o tempo as diferenças vão acentuando-se e tende-se a gerar um “nós” que em circunstâncias específicas conduz muito facilmente a relações conflitivas entre membros de diferentes grupos. Todos vivemos processos desta índole nas organizações que geram não apenas conflitos, mas também dinâmicas potencializadoras de conflito que se perpetuam no tempo. Por exemplo, aqueles que produzem sempre estarão em dinâmicas muito diferentes que os comerciais, considerarão diferentes prioridades e terão que enfrentar diferenças importantes em um processo de tomada de decisões conjunta.

Se analisarmos os elementos implicados na geração de conflitos, vemos que é imprescindível considerar o papel central que o exercício da liderança desempenha, as tendências opostas que coexistem na vida organizacional poderão ser úteis ou nocivas em dependência da destreza dos líderes para abrir espaço a novas formas de interação que permitam a integração, criatividade e geração de soluções.

  1. Quais costumam ser as causas mais frequentes dos conflitos entre pessoas e grupos?

Podem considerar-se causas de índole personológica, ou seja, derivadas da história de vida e características das pessoas que conformam a organização. As pessoas que não desenvolveram habilidades para escutar, para trabalhar em equipe ou que costumam ter posições rígidas ante as diversas situações ou decisões são agentes potencializadores de conflitos, mais ainda se estão ocupando posições de poder na organização.

Entretanto, as causas mais frequentes e também mais importantes associam-se às características próprias da organização e à maneira em que esta conduz seus processos. Neste sentido, são determinantes a ambiguidade nas políticas organizacionais que facilitam a compreensão diferenciada ou contraditória das metas ou processos organizacionais, a pouca clareza e/ou efetividade dos processos e métodos para a tomada de decisões, uma inadequada distribuição de papéis, variabilidade ou ambiguidade nos critérios para avaliar o desempenho das pessoas e grupos, assim como  nos critérios para determinar a atribuição de recursos e retribuições. Tudo isso desempenha um papel determinante amplificando as condições para a aparição de conflitos entre as pessoas e grupos da organização.

Como elementos condicionantes, embora não determinantes, encontram-se a heterogeneidade dos recursos humanos quanto ao gênero, raça, formação ou crenças espirituais e o tamanho-estrutura da organização. As organizações grandes, com múltiplas divisões e dependências, amplificam a possibilidade de relações conflitivas entre suas partes ou grupos, assim como as possibilidades de diferenças entre subculturas também se amplificam.

Outros elementos condicionantes são a existência de pressões temporárias e estresse ou sobrecarga de papéis nas partes implicadas. Isso não determina de maneira direta a aparição de conflito, mas tem uma função importante na potencialização de outras causas e na magnitude das reações ao conflito. As pessoas e grupos que precisam tomar decisões ou obter objetivos importantes de maneira urgente costumam assumir mais facilmente como irreconciliáveis as diferenças que encontram em seu âmbito de execução. Isso potencializa o conflito de maneira direta, e limita as possibilidades reais para explorar posições mútuas e encontrar formas de entendimento.

  1. Que tipo de conflitos pode apresentar-se em uma empresa?

A primeira e fundamental diferenciação deve estabelecer-se entre os conflitos latentes e manifestos. O conflito pode existir mesmo que não tenha sido declarado, identificado pelas pessoas ou grupos implicados ou por outras. Os conflitos que permanecem latentes durante períodos prolongados de tempo costumam ter maiores e mais profundas consequências na vida da organização, pois, até que se manifestem, não podem evoluir e ser solucionados.

A sua vez, podem expressar-se nos diferentes níveis de interação implicados na vida organizacional. Podem, então, haver conflitos interpessoais, intergrupais e interorganizacionais. Estes últimos, embora aparentemente transcendam o espaço social delimitado pela organização, também têm um impacto em seu funcionamento efetivo, nas interações sociais e nos processos laborais internos.

Uma distinção importante deve ser feita quanto às implicações do conflito na rotina da empresa, o que nem sempre está diretamente relacionado com o nível de interação onde se manifesta. Pode surgir um “simples” conflito interpessoal que tenha grande importância para a vida da organização em dependência do contexto específico e dos papéis das pessoas implicadas. Por outro lado, os conflitos intergrupais costumam ser os mais frequentes e com maior importância para o desenvolvimento da organização, tanto em suas implicações positivas como negativas.

As consequências do conflito e de seu enfrentamento permitem definir a existência de conflitos nocivos ou destrutivos e de conflitos construtivos ou desenvolvedores. Estes últimos permitem (devido ao momento de sua aparição e das opções de enfrentamento que a organização pode proporcionar) a geração de importantes benefícios. Entre eles, podemos mencionar sua capacidade para incrementar a motivação no desempenho das partes, estimular, quebrar a rotina, tornar os membros da organização mais conscientes dos problemas a atender prioritariamente, incrementar a criatividade, gerar maior conhecimento mútuo entre pessoas e grupos, clarificar e enriquecer diferentes pontos de vista, promover a interação criativa.

Num âmbito contrário, os conflitos nocivos ou destrutivos inibem ou limitam a comunicação, desprezam novas formas de atuar ou pensar, produzem danos na autopercepção de pessoas e grupos, distorcem a avaliação a respeito dos outros, levantam barreiras defensivas contra a interação social, desmotivam e saturam o âmbito psicológico com uma emotividade negativa que limita o desempenho e a criatividade.

  1. Que iniciativas podem ser estabelecidas em uma organização para prevenir ou administrar a tempo os conflitos e alinhar a organização para a construção de um objetivo comum?

O essencial, tanto para a prevenção como para a gestão dos conflitos na organização, será gerar condições que permitam uma comunicação efetiva entre pessoas e grupos. Deste modo, em cada momento os possíveis conflitos podem ser reconhecidos e abordados de maneira imediata e direta desde sua mesma gênese. É importante manter condições que não evitem a confrontação, pois então surgem conflitos dos que não se fala, que permanecem latentes ou soterrados, e não por isso são menos importantes. Como se explicava antes, o conflito em si mesmo não é um problema ou algo nocivo, o que vai ser ou não um problema ou ter consequências negativas para o funcionamento organizacional é a maneira em que se enfrenta o conflito.

As organizações devem aprender a administrar os conflitos de maneira proveitosa e inspiradora, convertê-los em fonte de aprendizagem e mudança positiva. O desenvolvimento de ferramentas para a interação social entre líderes e trabalhadores pode ser um elemento fundamental para gerar sistemas de comunicação efetiva. Geralmente, se dá pouca ênfase à capacitação das pessoas (dos próprios sistemas educativos, formativos) no que se relaciona as habilidades para a interação social. Este é um aspecto que se deixa à família ou ao interesse próprio de cada um. Definitivamente, é algo muito importante para deixá-lo à boa vontade de deus ou não atendê-lo de maneira intencionada.

A organização deve dedicar esforços e recursos para inserir seus membros em sistemas de formação que permitam potencializar ao máximo suas capacidades comunicativas e destrezas associadas à interação social. A capacidade para escutar é um elemento fundamental que, ao menos na cultura ocidental, muitas vezes não apreciamos em toda sua magnitude. Muitos conflitos poderiam ser facilmente atendidos e resolvidos se as partes implicadas tivessem verdadeira capacidade de escutar atentamente.

Uma boa parte dos conflitos que se desenvolvem na organização tem sua origem em percepções distorcidas a partir do desconhecimento mútuo das funções ou dilemas que as diferentes pessoas ou partes da organização têm ante si cada dia. Um elemento crucial vai ser a comunicação frequente e efetiva entre as pessoas e grupos da organização sobre o “que nos une, para que estamos aqui”. Isso permite compartilhar essências sobre o sentido de totalidade que favorece uma verdadeira comunhão de interesses, o qual é a base para cooperar e construir em todo momento acordos que permitam tomar as melhores decisões e que estas sejam compreendidas e aceitas.

Uma liderança efetiva pode ser a chave para prevenir os danos que o conflito prolongado gera na organização. Para isso, necessita-se uma liderança que escute todas as vozes e que abra espaço à implicação das pessoas nas metas da organização, que considere a diversidade, gerando ambientes de trabalho que não apenas aceitem, mas que permitam apreciar e integrar as diferenças.x|

  1. Quando um conflito gerou efeitos destrutivos na organização, que tipo de estratégias poderiam ser aplicadas?

Definitivamente, se já o conflito gerou efeitos destrutivos, terá transitado pela fase de escalamento e estancou-se na vida organizacional. Aumentar a amplitude, frequência e profundidade das interações comunicativas entre as partes em conflito é um requisito indispensável em termos de encontrar alternativas de solução e abertura. Mas isto deve transcorrer em um entorno favorável e confiável para as partes, pelo que é recomendável alguma forma de mediação externa. Nesse caso, será necessário que a organização procure ajuda profissional ou especialista para atender ou solucionar a situação conflitiva e disponibilizar recursos aos membros para eliminar os condicionantes ou causas que deram lugar ao conflito em um primeiro momento.

A geração de metas supraordenadas que permitam construir um propósito comum é desejável e necessária para mitigar os danos produzidos e para prevenir futuros conflitos. Tais metas devem ser verdadeiramente compreendidas e compartilhadas pelos membros da organização. Para isso, é imprescindível reconsiderar aspectos funcionais da organização relacionados com as formas de comunicação e tomada de decisões, a distribuição de recursos e poderes ou mudanças na retribuição no caso de que estes sejam arestas vinculadas ao conflito.

O diálogo pode ser uma boa ferramenta se formos capazes de suspender as próprias ideias já preconcebidas e prestar verdadeira atenção no que o outro comunica em suas palavras e ações. De fato, uma das bases essenciais de todo o processo de mediação de conflitos é a geração de um ambiente de diálogo que permita que cada uma das partes tenha oportunidade de apresentar seu ponto de vista, e este seja verdadeiramente ouvido pela outra parte. Por isso, é importante que as pessoas encarregadas de conduzir o processo de geração de soluções prestem especial atenção a:

  • Garantir que a comunicação seja genuína e aberta.
  • Que as diferenças sejam aceitas e respeitadas.
  • Que o dialogo centre-se nos aspectos observáveis que permitam novas decisões e avaliações (evitar a implicação das antigas percepções ou avaliações subjetivas)
  • Orientar a experiência visando o futuro (deixando no passado as ações passadas)

É aconselhável, a sua vez, gerar oportunidades para interações informais ou amistosas que permitam o desbloqueio das emoções negativas sustentadas no tempo. É importante considerar que todas as pessoas e grupos relacionados ou afetados pelo conflito devem participar de algum jeito no processo de recuperação de modo que se reforcem as possibilidades de seguimento e apoio às mudanças propostas.
Alba Hernández desenvolve seu trabalho no âmbito da pesquisa e consultoria organizacional há duas décadas. Aprofundou-se nos temas Trabalho em Equipe, Redes informais, Liderança e Cooperação Intergrupal, realizando estudos e numerosas publicações. Desde o ano 2013 colabora em programas de formação desenvolvidos pela UNINI e é autora do livro “A investigação-ação como método. Um olhar da organização trabalhista” e coautora de “Culturas de Participação em Cuba e nos Estados Unidos”.

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